segunda-feira, 14 de julho de 2014

Condenação pela prática de racismo e discriminação - danos materiais - dignidade da pessoa humana - Estatuto da Igualdade Racial

         O Tribunal de Justiça do Amazonas, através da 3ª. Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, julgou improcedente o recurso VRG Linhas Aéreas, razão social da Gol Linhas Aéreas , confirmando a decisão da juíza Jaci Cavalcante Gomes Atanázio, titular da 16ª Vara do Juizado Cível Especial, que em 2012 condenou a empresa a pagar R$20.000,00 de indenização por danos morais a um cliente, acrescidos de juros e correção monetária.
     Trata-se de uma condenação pela prática de racismo, por parte de uma atendente da empresa no Aeroporto Internacional  Eduardo Gomes, em Manaus, ocorrida em 2011. O relator do recurso, que já transitou em julgado, foi o juiz presidente da 3ª Turma Recursal do TJAM, Rogério Vieira, cujo voto foi acompanhado pelos demais membros do colegiado.
     A empresa também foi condenada a pagar a quantia de R$1.842,22, a título de indenização por danos materiais, pelo valor gasto com a compra das passagens no cartão de crédito do chefe do cliente, acrescidos de juros e correção monetária.
     A ação de indenização foi apresentada pelo cliente contra a empresa aérea, em razão das ofensas de cunho racista proferidas por uma funcionária contra ele quando tentava embarcar para comparecer ao funeral de sua mãe, na cidade de Recife (PE), viagem que não ocorreu.
     Como a passagem fora comprada com urgência pelo chefe do cliente, com seu cartão de crédito, a funcionária exigiu a confirmação da compra pelo titular do cartão. Como era madrugada, o cliente não conseguiu falar com seu chefe por telefone e foi até sua casa para informá-lo da situação e o titular do cartão disse que confirmaria as informações por telefone à atendente.
     Nos autos, o cliente relata que, ao retornar ao aeroporto, a funcionária da empresa confirmou os dados por telefone, mas exigiu também falar com um vizinho do chefe a fim de confirmar as afirmações do titular para então liberar o embarque.
     Segundo o autor da ação, ele não tinha contato de vizinho e disse à atendente que iria procurar seus direitos e uma solução jurídica para a negativa da empresa, mas quando virou as costas ouviu a funcionária proferir ofensas discriminatórias, na frente de outros passageiros, dizendo: tinha que ser preto mesmo.”
     Ora, o racismo é a discriminação social que tem por base  um conjunto de julgamentos preconcebidos que avaliam as pessoas de acordo com as suas características físicas, em especial a cor da pele.Baseado em idéia de superioridade de certas etnias, esta forma de segregação está impregnada na sociedade brasileira e acontece nas mais diversas situações.
     A discriminação racista é considerada crime pela Contituição Federal, que apresenta diversas formas de punição para estes casos.Posto que o crime apresenta o ódio ou a aversão a todo um grupo o racismo é um delito de ordem coletiva, que ataca não só a vítima mas  todo o ideal de dignidade humana.
     Pode estar o racismo presente em qualquer tipo de ambiente,no trabalho , na rua, ou até mesmo em meio a pessoas próximas. Faz-se então necessário que todas as formas de ocorrência do preconceito devem ser notificadas, sejam elas nítidas, como no caso da Gol, ou discretas.
     Há também  discriminação racial do tipo mascarada, o que faz sob diversos tipos de condutas, todas temerosas com relação à aplicabilidade das normas de combate ao racismo, e ao papel que o Judiciário vem desempenhando nas últimas décadas.
     As mudanças na legislação e na jurisprudência no Brasil têm sido significativas, se comparada a séculos de exploração e desrespeito à população que outrora não se enquadrava no modelo padrão de ser humano digno de consideração.
     Um dos baluartes a balizar o combate ao racismo é o princípio da dignidade humana, que é uma qualidade inerente ao ser humano, decorrente do simples fato de existir, sendo característica natural do próprio homem. A dignidade da pessoa humana é princípio fundamental irrenunciável e inalienável. Segundo Pena Júnior (2008, pág. 10) “a dignidade da pessoa humana é tão importante que, mesmo aquele que a desconhece, merece tê-la preservada.”
     O princípio da dignidade humana está consubstanciado na CF/88, idealizada sob a rubrica de um Estado Democrático de Direito, que a estabelece como direito fundamental, senão vejamos: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valore sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.”
     O doutrinador Wofgang Sarlet (2001, pág.60) diz que a dignidade da pessoa humana é uma qualidade intrínseca do homem, carecedora de normas legais para sua preservação, na forma a saber: “ a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais para que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.” E é justamente aqui que se enquadra o caso da Gol, em que o cidadão da raça negra teve a sua imagem degradada na presença de outras pessoas, ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana, norma fundamental da Carta Maior.
     Temos também como escopo o Estatuto da Igualdade Racial, lei 12.288/2010, que tem no seu enunciado: “Art. 1º ...§ único. Para efeito deste Estatuto, considera-se: I – discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor , descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada;”
     Obviamente, no caso do cliente da Gol, o mesmo foi clara e notoriamente distinguido dos demais por sua cor, e portanto menosprezado publicamente.
     Há de se notar outrossim a existência de dois tipos de discriminação racial, a direta e a indireta: 1) A discriminação racial direta resulta do comportamento humano, o qual transparece através de atitudes de cunho negativo como ofensas, xingamentos, segregação ou até mesmo violência física, e são lançados face da cor, atingindo diretamente a pessoa ofendida em seu âmago [caracterizada, assim, mais uma vez, no caso do cliente da Gol [.  2) A discriminação racial indireta, por sua vez, é proveniente de um comportamento racista mascarado através de atitudes com cunho discriminatório implícito, surgindo de forma oculta nas normas, leis , políticas públicas, entre outras práticas cotidianas, aparentemente desprovidas de qualquer aspecto discriminatório, mas detentoras de caráter extremamente racista.
     Como no processo em questão identifica-se com a discriminação racial direta, a mesma é punida de forma imediata, bastando a sua constatação, e toma por base o princípio da igualdade, encontrado no art. 5º, caput, da CF/88. No segundo caso, da indireta, permite justificativa por parte da parte adversa para que se possa fazer prova de sua não intenção discriminatória.

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