O Tribunal de Justiça do Amazonas, através
da 3ª. Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, julgou
improcedente o recurso VRG Linhas Aéreas, razão social da Gol Linhas Aéreas , confirmando a decisão da juíza Jaci Cavalcante
Gomes Atanázio, titular da 16ª Vara do Juizado Cível Especial, que em 2012
condenou a empresa a pagar R$20.000,00
de indenização por danos morais
a um cliente, acrescidos de juros e correção monetária.
Trata-se de uma condenação pela prática de racismo, por parte de uma atendente da
empresa no Aeroporto Internacional
Eduardo Gomes, em Manaus, ocorrida em 2011. O relator do recurso, que já
transitou em julgado, foi o juiz presidente da 3ª Turma Recursal do TJAM, Rogério
Vieira, cujo voto foi acompanhado pelos demais membros do colegiado.
A empresa também foi condenada a pagar a
quantia de R$1.842,22, a título de
indenização por danos materiais, pelo valor gasto com a compra das
passagens no cartão de crédito do chefe do cliente, acrescidos de juros e
correção monetária.
A ação de indenização foi apresentada pelo
cliente contra a empresa aérea, em razão
das ofensas de cunho racista proferidas por uma funcionária contra ele
quando tentava embarcar para comparecer ao funeral de sua mãe, na cidade de
Recife (PE), viagem que não ocorreu.
Como a passagem fora comprada com urgência
pelo chefe do cliente, com seu cartão de crédito, a funcionária exigiu a
confirmação da compra pelo titular do cartão. Como era madrugada, o cliente não
conseguiu falar com seu chefe por telefone e foi até sua casa para informá-lo
da situação e o titular do cartão disse que confirmaria as informações por
telefone à atendente.
Nos autos, o cliente relata que, ao
retornar ao aeroporto, a funcionária da empresa confirmou os dados por
telefone, mas exigiu também falar com um vizinho do chefe a fim de confirmar as
afirmações do titular para então liberar o embarque.
Segundo o autor da ação, ele não tinha
contato de vizinho e disse à atendente que iria procurar seus direitos e uma
solução jurídica para a negativa da empresa, mas quando virou as costas ouviu a funcionária
proferir ofensas discriminatórias, na frente de outros passageiros,
dizendo: “tinha que ser preto mesmo.”
Ora, o racismo é a discriminação
social que tem por base um conjunto
de julgamentos preconcebidos que avaliam
as pessoas de acordo com as suas características
físicas, em especial a cor da pele.Baseado
em idéia de superioridade de certas etnias, esta forma de segregação está
impregnada na sociedade brasileira e acontece nas mais diversas situações.
A discriminação
racista é considerada crime pela
Contituição Federal, que apresenta diversas formas de punição para estes
casos.Posto que o crime apresenta o ódio ou a aversão a todo um grupo o racismo é um delito de ordem coletiva, que ataca não só a vítima mas todo o ideal de dignidade humana.
Pode estar o racismo presente em qualquer
tipo de ambiente,no trabalho , na rua, ou até mesmo em meio a pessoas próximas.
Faz-se então necessário que todas as formas de ocorrência do preconceito devem
ser notificadas, sejam elas nítidas, como
no caso da Gol, ou discretas.
Há também
discriminação racial do tipo mascarada, o que faz sob diversos tipos de
condutas, todas temerosas com relação à aplicabilidade das normas de combate ao
racismo, e ao papel que o Judiciário vem desempenhando nas últimas décadas.
As mudanças na legislação e na
jurisprudência no Brasil têm sido significativas, se comparada a séculos de
exploração e desrespeito à população que outrora não se enquadrava no modelo
padrão de ser humano digno de consideração.
Um dos baluartes a balizar o combate ao
racismo é o princípio da dignidade
humana, que é uma qualidade inerente ao ser humano, decorrente do simples
fato de existir, sendo característica natural do próprio homem. A dignidade da pessoa humana é princípio fundamental irrenunciável e
inalienável. Segundo Pena Júnior (2008, pág. 10) “a dignidade da pessoa
humana é tão importante que, mesmo aquele que a desconhece, merece tê-la
preservada.”
O princípio da dignidade humana está
consubstanciado na CF/88, idealizada sob a rubrica de um Estado Democrático de
Direito, que a estabelece como direito fundamental, senão vejamos: “Art.
1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da
pessoa humana; IV – os valore sociais do trabalho
e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.”
O doutrinador Wofgang Sarlet (2001,
pág.60) diz que a dignidade da pessoa
humana é uma qualidade intrínseca do homem, carecedora de normas legais
para sua preservação, na forma a saber: “ a qualidade intrínseca
e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e
consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um
complexo de direitos e deveres
fundamentais para que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de
cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições
existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua
participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da
vida em comunhão com os demais seres humanos.” E é justamente
aqui que se enquadra o caso da Gol, em que o cidadão da raça negra teve a sua
imagem degradada na presença de outras pessoas, ferindo o princípio da
dignidade da pessoa humana, norma fundamental da Carta Maior.
Temos também como escopo o Estatuto
da Igualdade Racial, lei 12.288/2010, que tem no seu enunciado: “Art.
1º ...§ único. Para efeito deste Estatuto, considera-se: I – discriminação
racial ou étnico-racial: toda distinção,
exclusão, restrição ou preferência baseada
em raça, cor , descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por
objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade
de condições de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político,
econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou
privada;”
Obviamente, no caso do cliente da Gol, o
mesmo foi clara e notoriamente distinguido
dos demais por sua cor, e portanto menosprezado publicamente.
Há de se notar outrossim a existência de
dois tipos de discriminação racial, a direta e a indireta: 1) A discriminação racial direta resulta
do comportamento humano, o qual transparece através de atitudes de cunho
negativo como ofensas, xingamentos, segregação ou até mesmo violência física, e
são lançados face da cor, atingindo
diretamente a pessoa ofendida em seu âmago [caracterizada, assim, mais
uma vez, no caso do cliente da Gol [. 2)
A discriminação racial indireta, por sua vez, é proveniente de um comportamento
racista mascarado através de atitudes com cunho discriminatório implícito,
surgindo de forma oculta nas normas, leis , políticas públicas, entre outras
práticas cotidianas, aparentemente desprovidas de qualquer aspecto
discriminatório, mas detentoras de caráter extremamente racista.
Como no processo em questão identifica-se
com a discriminação racial direta, a
mesma é punida de forma imediata,
bastando a sua constatação, e toma por
base o princípio da igualdade, encontrado no art. 5º, caput, da CF/88.
No segundo caso, da indireta, permite justificativa por parte da parte adversa
para que se possa fazer prova de sua não intenção discriminatória.